É claro que esta entrevista tem algo de diferente, fictício, mas com um objetivo. Vale a pena ler...
Nos últimos dias, protestos e mais protestos
tomaram conta das ruas de muitas cidades em nosso país. Muitas mobilizações,
com certeza justas e até necessárias, outras um pouco exageradas. Algumas sem
fundamento e outras até apenas pelo modismo, mas a grande maioria com esta mensagem: "É HORA DE MUDAR... E MUDAR PARA MELHOR!".
Seguindo este desejo de mudança, esta entrevista lúdica traz uma menção ao direito de protestar, de reclamar, de reivindicar, e que se fez presente neste personagem, um ser que representou todo um povo esquecido pelos sistemas e governos de cidades, estados e país na época em que foi criado e que, infelizmente, ainda se faz presente na realidade de muitos brasileiros atualmente.
Estou falando daquela figura simples, humilde, ingênua, pobre, rúdico nos atos, pensamentos
e palavras, na vestimenta, no trabalho, na sensibilidade e na criação. Um ser
que vive praticamente isolado da sociedade moderna, num contexto arcaico do
universo rural, com raras experiências em áreas urbanas, sofrendo o descaso das
dificuldades geradas quando da necessidade de alimentos, remédios, educação e
conforto.
Caipira por opção, mas sofredor pelo esquecimento alheio, sofre de anemia, desnutrição, bicho-de-pé, entre outros problemas
sérios de saúde.
Ele é "Jeca Tatu", personagem do escritor Monteiro Lobato,
muito conhecido por suas histórias infanto-juvenis, as quais giram em torno dos
famosos personagens do Sítio do Picapau
Amarelo, tornou-se uma obra de cunho social, de natureza crítica e vem
para denunciar questões como o sério problema de saúde pública, educação e
financeira em que vive.
Este modelo do caipira não idealizado (presente no
livro Urupês
- da saga criada por Lobato para os adultos) um cidadão esquecido pelo governo, à
mercê de enfermidades que já não deveriam estar presentes em pleno século XXI,
à margem da sociedade, sem renda fixa, praticamente na miséria e num imenso atraso
cultural. Condição nada romântica para nós, que falamos de “boca cheia” que
temos cidadania, somos instruídos, temos cultura e sabemos lutar pelos nossos direitos,
mas também esquecemos desse brasileiro esquecido. A utopia dessa verdade se fez
presente nesta entrevista. Vale a pena acompanhar para refletir, afinal, como
afirmava Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”, vitimado pelo
desprezo de um governo nada preocupado com esta camada social e excluído e
discriminado por uma camada social que não está nessa situação.
Valdinei Fernandes
ACOMPANHE A ENTREVISTA.
PARA ISSO, IMAGINE ESSA FIGURA CHEGANDO EM NOSSA ESCOLA:
Jeca Tatu chegou como sempre foi, num andar simples, arrastado, olhar de aparência triste, respiração fraca, desleixado, com a barba pouco densa, pés descalços, grossos, calcanhares completamente rachados, roupa velha, remendada e não tão bem cheirosa, chapéu de palha e um cigarro de papel atrás da orelha esquerda, fala caipira, sempre acompanhado por um cachorrinho vira-lata, magro, peludo mas sempre abanando o rabo com jeito de feliz.
Ele chegou, sentou-se nos degraus da escada da escola, me aproximei dele e perguntei se podia fazer-lhe algumas perguntas. Ele olhou meio desconfiado e só acenou positivamente com a cabeça. Aí comecei a entrevista:
Blog: _Sr Jeca, em que dia, mês e ano o senhor nasceu?
Jeca Tatu: _”óia, fio”, sei não, mas dizem por aí que o ano foi 1914.
(O caboclo Jeca Tatu surgiu em 1914 num artigo escrito por Monteiro Lobato)
Blog: _O senhor sabe onde nasceu?
Jeca Tatu: _Só sei que foi “pras bandas” do Vale. (Vale do Paraíba)
Blog: _Percebo seus pés com a base toda rachada como se nunca tivesse calçado um sapato. O senhor anda sempre descalço?
Jeca Tatu: Detesto “carça” sapatos. Isso é pra gente chique.
Blog: _O senhor tem estudo?
Jeca Tatu: _Tenho o estudo que a vida me dá. Conheço algumas palavras, todas vogais, os números só na cabeça, mas sei bastante prá não ser enganado.
Blog: _Sei que vive na roça e nunca trabalhou pros outros. Mas sei que tem uma terrinha bem pequena. O que faz para viver?
Jeca Tatu: _Tenho alguns canteiros de verduras, tenho bananeira, goiabeira, umas galinhas e dois porquinhos. Dá pra eu sobreviver. Perto de casa tem um pequeno riacho com poucos peixes. Tá bom demais.
Blog: _Dizem por aí que o senhor é preguiçoso e alcoólatra. É verdade?
Jeca Tatu: _Nunca trabalhei pra ninguém. Não saio de casa. Eu planto as sementes e elas crescem sozinhas, eu fico olhando sentado num banco, as vezes numa rede, as vezes no chão e as vezes tomando minha cachaça. Isso é preguiça e alcoolismo?
Blog: _O senhor era muito magro e tinha uma cor meio amarelada. Parece que está melhor. Tem problema sério de saúde?
Jeca Tatu: _Já tive. Tinha também muita dor no corpo. O médico que passou lá disse que eu tinha “o famoso amarelão”. Mandou eu usar sapatos e tomar remédios pra vermes. Mandou eu filtrar minha água, não nadar no rio e nem ficar abraçando meus animais. Mandou eu dar vacina neles e de vez em quando passa um pessoal lá em casa pra me lembrar de tudo isso. Eu levei a sério, e até uso sapato e tomo remédio. Mas quando esquecem de mim, eu esqueço de me cuidar também. Quando lembram, eu relembro e melhoro. Hoje tô descalço porque tô sentado aqui, mas uso calçado todo dia, sim.
Blog: _O que o senhor acha de tudo isso?
Jeca Tatu: _Acho que coisas simples mudaram minha saúde. Então todo mundo pode fazer igual. Aí eu coloquei sapato até nas minhas galinhas e nos meus porcos, mas eles parece que não gostaram muito não.
Blog: _Qual o maior orgulho de sua história de vida que gostaria de lembrar nesta entrevista?
Jeca Tatu: É muito simples. Minha imagem de um cidadão abandonado pelo Estado, deixado à mercê de enfermidades típicas de lugares esquecidos na miséria e no atraso econômico, pode ser mudada com gestos simples, bastando apenas uma boa vontade do governo e de todos que me conheciam. Meu maior orgulho foi que, minha história, criada por Monteiro Lobato, felizmente, usando esta imagem de um homem sofrido e esquecido, serviu como um instrumento em operações de esclarecimento sobre a importância do saneamento básico e público nos anos de 1919 e 1920 principalmente. Com esse alerta sobre a urgência em erradicar doenças como o amarelão, que na época matava tantas pessoas, minha imagem serviu para acordar até o governo, e por isso que me cuidei e melhorei também.
Blog: _E que mensagem o senhor pode nos deixar de tudo isso, principalmente nestes dias que tantos protestos eclodem pelo país afora?
Jeca Tatu:_ Que podemos protestar sim. Podemos e devemos, mas devemos ser criativos e pacíficos, sempre. Vejam que, no caso de Monteiro Lobato, criar meu personagem com uma história inspirada na situação de brasileiros ajudou a mudar essa realidade no ano de 1920. Isso não é só motivo de orgulho por ser famoso, mas principalmente por ter ajudado o governo tomar consciência e mudar um rumo em algo de bom na vida de parte do povo brasileiro. Será que o jovem de hoje consegue ser tão revolucionário mas ao mesmo tempo criativo e pacífico em suas manifestações como foi meu pai Monteiro Lobato?
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É isso aí, amigos deste blog. Aqui está uma nova modalidade de entrevista. Partilhe esta ideia, esta mensagem, deixe seu comentário e sugestão para novos entrevistados. E aguarde, sempre novidades.
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13 comentários:
MUITO BOM !!!!!! UM SIMPLES CAIPIRA, DEU UMA LIÇÃO PARA QUEM SE DIZ TÃO LETRADO .QUEM SERÁ QUE TEM ESSE JEITO CRIATIVO E INTELIGENTE DE CRITICAR E REIVINDICAR SEU DIREITOS??NOS DIAS DE HOJE... POUCOS.... MAS VALEU A REFLEXÃO........ ESPERO MAIS.......
LUCI.....
bom. bom mesmo. inteligente, criativo e original. Parabéns.
Duda
Crítica inteligente, crítica construtiva e ao mesmo tempo uma aula de cultura sobre contos brasileiros. Realmente, como o próprio criativo autor disse, vale a pena conferir. Tomara que todos compreendam a intenção e a mensagem principal deste trabalho. Parabéns Escola Feliciano.
Interessante este trabalho. Juro que fiquei curiosa esperando esta entrevista. Imaginei que fosse alguma pegadinha ou coisa do tipo mas fiquei surpresa com a criatividade. Parabéns, professor Valdinei. Continue com suas ideias.
Professora Elaine
Criativo. Muito legal.
KKKKKKKKK MUITO LEGAL.....
Jeca Tatu está cheio por aí. Monteiro Lobato não temos muitos. Parabéns para a criatividade dessa escola.
Luzia Silva
ESTE BLOG CONTINUA ME SURPREENDENDO EM SUA CRIATIVIDADE.
Será que todos que lerem esta entrevista entenderão a intenção do autor? Adorei.
Maria Eduarda.
gostei professor. parabéns por seu trabalho. Parabéns escola feliciano.
Aline
kkkkk juro que pensei que você ia entrevistar algum político. ficou 10.
Narciso
Gostei dessa. Estou ansiosa para ler a entrevista da Nova Zelândia. Acompanho todas.
Eliene
Muito bom o blog, adorei. Muito interessante!!
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